quarta-feira, 19 de julho de 2017

A última palavra d’Os Lusíadas!

            Há largos anos atrás, após a entrevista com o responsável por uma florescente Unidade de Oncologia, por todos muito apreciada, dado o imenso carinho posto pela equipa no atendimento dos doentes, perguntei-lhe, já de microfone fechado, por que razão não recebia maior apoio oficial. Retorquiu-me:
            – Sabe qual é a última palavra d’Os Lusíadas?
            Por sinal, assim de repente, a pergunta à queima-roupa apanhou-me desprevenido e não soube responder de imediato.
            – Inveja! – disse o meu interlocutor.
            Estava tudo explicado!...
            Ando a arrumar os meus papéis. 50 e tal anos de jornalismo e de actividade lectiva nas áreas de Epigrafia, Arqueologia, Património, Comunicação Social e Turismo fizeram com que fosse ajuntando recortes, folhetos, opúsculos, convites e tanto outro material, naquela ideia que se tem: «Quando me jubilar – nessa altura, eu ainda pensava que me jubilaria… – ponho ordem nisto tudo e tenho aqui material para longa série de crónicas, artigos, reflexões…
            Verifico, agora, que não é bem assim; mas a selecção impunha-se e muito material acumulado vai sendo distribuído por instituições, onde será mais útil do que a mim ou aos meus filhos e netos.
            Ocorreu-me, porém, essa tal última palavra do nosso poema épico, quando deparei com o convite endereçado ao chefe de redacção de um jornal (que eu guardara como recordação sua) para ir saborear um almoço de lampreia e dele fazer a respectiva reportagem. E não pude conter um sorriso! É que, no interior do sobrescrito, estavam um cartão de visita, uma foto para eventual publicação e a «informação à imprensa»; e, no exterior, escrita a negro e em diagonal, rubricada pelo director, a seguinte mensagem:
            «Sim, senhor!
            Vá comer o almoço, mas, para eles aprenderem, não virá uma linha a este respeito. O. K!».
            O almoço foi a 8 de Março de 1987, ou seja, o 25 de Abril já ocorrera há anos!
            O chefe de redacção confidenciou-me, depois, recordo-me, que o almoço fora uma delícia; mas, claro, ordens são ordens e… sobre isso não se escreveu uma linha!
            As «coisas» que a gente reencontra, ao remexer em papéis antigos!...

                                    José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 712, 15 de Julho de 2017, p. 11.

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