quarta-feira, 28 de junho de 2017

Uma catadupa de emoções

             Não me refiro ao gigantesco incêndio que devorou vidas de pessoas e de animais e destruiu habituações no Centro do País e que a todos dolorosamente emocionou. Desse muito já se falou e continuará a falar. Permita-se-me, pois, que escreva sobre factos mais comezinhos, de aqui ao pé de nós, susceptíveis também de nos despertar emoção.

Povo
            Começo pela sardinhada que a Junta de Freguesia de Cascais (eu sei que se chama outra coisa, mas, como não concordo, fica assim) ofereceu no Centro de Dia da Areia, quinta-feira, dia 22. Toda uma emoção o povo a confraternizar, sem etiquetas, em torno de um bom prato de excelentes sardinhas, sangria, batatas cozidas, salada a condizer. Foi bonito de ver como aquele enorme punhado de jovens voluntários a todos serviu, prontamente, de sorriso nos lábios. Gostámos de ouvir a Ermelinda Cardoso declamara aquele poema em louvor de Cascais, de que ela tanto gosta (como que a reviver antigos tempos do Grupo Cénico…); o Toy, como alguém dizia, que lança os foguetes e corre a apanhar as canas... Foi bonito de ver a marcha do Centro de Dia do Bairro do Rosário. Povo que é Povo nunca esmorece e confraterniza hoje como se o mundo fosse acabar amanhã. Estiveram autarcas, houve discursos de ocasião; mas a emoção de estarmos juntos, os velhos e os menos velhos, a tudo acabou por suplantar, num clima sem igual!

«Santos no pátio»
Santo António a pregar aos peixes...
Nossas Senhoras e, na parede, as fotografias das autoras
Santo António teve direito a quadras e a lugar de muito relevo
            Na sexta-feira, outra vez o pessoal da chamada 3ª idade a dar cartas, a dizer que está ali prás curvas, que a vida são dois dias e que há sempre motivos para a alegria nos inundar. Os utentes dos centros de dia da Santa Casa da Misericórdia vieram mostrar, na sala que dá para o pátio interior da Rua da Saudade, o resultado de muitas horas de ocupação: inúmeras imagens de Santo António, por exemplo, para todos os gostos e quadras populares. E cantou-se. E proclamou-se bem alto que «velhos são os trapos!» e que só não se ocupa quem não quer, só não se mexe quem prefere lamuriar-se pelos cantos, num encostar-se às paredes…

Maria do Céu Guerra
Maria do Céu Guerra: ao vivo, em fotografia e em busto
Maria do Céu Guerra, agradece, emocionada
e recordou os primeiros tempos do TEC
            No Espaço TEC, uma nova exposição, devida, de modo especial, ao talento de João Vasco, que, infelizmente, já pouco pode movimentar-se e se vê forçado ao conchego do lar, mas nós sempre a pensarmos nele. Homenageou-se, desta feita, Maria do Céu Guerra. Dei-lhe, claro, aquele abraço sentido, duma Amizade que dura há tantos anos quantos o Teatro Experimental de Cascais tem. Carlos Avilez recordou, com emoção (que se me perdoe a repetição, mas é que foi mesmo assim!), os primeiros tempos, no Gil Vicente. E eu lembrei-me que íamos, com o Correia de Morais, no final dos ensaios, buscar a Céu e demandávamos o Estribinho ou, mais perto, o Luisiana Jazz Clube do Villas Boas (ao fundo da José Florindo de Oliveira). Emocionámo-nos, claro, ao evocar esses difíceis anos 60, a Esopaida (a 1ª peça que ousadamente se levou à cena), as cumplicidades, as constantes ameaças da Censura… E sublinhou-se insistentemente o imprescindível papel que o Teatro ocupa na sociedade. Emocionante, o testemunho de um dos ex-alunos da Escola Profissional de Teatro.
            Homenagem muito digna a uma grande Actriz que, sem alardes, vai seguindo o seu caminho, numa ternura imensa, que tão bem retratada está, por exemplo, no filme Os gatos não têm vertigens, recentemente passado de novo na televisão, após o êxito que teve nas salas de cinema. A Céu é assim: uma doçura, uma actriz de corpo inteiro, que Cascais e o seu Teatro Experimental tiveram o privilégio de ver dar os primeiros passos, em companhia do João Vasco, do Carlos Avilez, do saudoso Santos Manuel…

Concerto de Verão
            E, a concluir as emoções da semana, o Concerto de Verão no Boa Nova.
            Nicolay Lalov dirigiu com o rigor que lhe é reconhecido a Sinfónica de Cascais. Escolheu desta vez o jazz como tema: Cole Porter («Salute para orquestra»); Leonard Bernstein, West Side Story, com a soprano Zita Milene e o tenor Diogo Pinto; de George Gershwin, «Porgy and Bess Suite» e, a preencher toda a segunda parte, a fabulosa «Um Americano em Paris», que nos emocionou e via-se bem que emocionou também os músicos, naquele impressionante bailado de braços a que os instrumentos de corda (mormente os violinos) em tais circunstâncias obrigam.

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 193, 28-06-2017, p. 6.

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