quarta-feira, 17 de maio de 2017

Os carteiros de outrora e a leal pancadaria!

             Tive oportunidade de, em crónica de 22 de Março último («Carteiros-autómatos não, obrigado!»), solicitar à mui digna administração da empresa privada CTT que envidasse esforços no sentido de não formar carteiros ‘de aviário’, que, quais autómatos, apenas lessem parte do que estava escrito e que, como os autómatos ou os computadores, se faltava uma vírgula ou uma letra não compreendiam nada e, mui orgulhosamente, espetavam com força o carimbo de «destinatário desconhecido» e toca a enviar para trás!
            Creio que os mui dignos administradores hão-de ter compreendido que, até do ponto de vista financeiro – para já não falar da imagem da empresa –, tal atitude era contraproducente, até porque, recorde-se, hoje os processos de comunicação por correio electrónico e por tantos outros meios são tão fáceis e tão baratos (gratuitos até!) que os CTT, se não se acautelam, correm sério risco de começar a ter prejuízo. Claro, isso corresponderia logo a despedir pessoal e a recorrer ao Instituto de Emprego e Formação Profissional para ‘arranjarem’ estagiários e, qual pescadinha de rabo na boca, lá voltávamos ao princípio de não termos carteiros com vocação de carteiro – que também para isso se carece de ter vocação!
            Hoje, porém, não quero criticar, mas louvar!
            E agradeço a Hans Daehnhardt, meu amigo octogenário que vive em Hanôver há muitos anos, mas que adora Cascais, onde passou boa parte da sua infância, o facto de, a propósito da notícia sobre a caldeirada do 1º de Maio, me ter escrito a dizer que fora várias vezes com Chico da Neta ao mar, a recolher os covos postos para a apanha da lagosta. E acrescentou: «Quando nos covos estava um peixe, normalmente um safio ou abrótea, ele oferecia-me este peixe».
            Mas não foi propriamente a história dos covos e da abrótea que me encantou. É que Hans Wilhelm Daehnhardt morava na Rua Marques Leal Pancada e, um dia, recebeu uma carta com o seguinte endereço: Rua Marquês da leal Pancadaria! Se fosse hoje, voltava para trás, porventura com a anotação de que, em Cascais, não há «leal Pancadaria»; e, quando a há, é sempre… desleal!...
            Quando fui responsável pelo programa ERASMUS na minha Faculdade, correspondia-me naturalmente, também por via postal, com os meus colegas de universidades estrangeiras. Nem sempre eles compreendiam não apenas o sistema dos endereços portugueses como, por vezes, algumas das letras manuscritas. Lembro-me de que «Largo da Porta Férrea» foi, um dia, transformado em «Largo Porto Ferrero», se calhar por, alguma vez, ter aparecido lá por casa uma garrafita de Porto Ferreira. Portanto, Porta Férrea é coisa que lembra prisão e Porto Ferreira sempre agrada muito mais (sem desprimor das outras marcas, claro está!).
            Para mim, no entanto, o caso que ilustro e que um amigo me fez chegar às mãos é que me encheu as medidas! A carta vem de Granada (Espanha) e o endereço que traz é: ECA QVVIROZ; e o topónimo Aldeia de Juzo foi transformado (pasme-se!...) em ALGIA F 420! Neste caso, o código postal vinha certo e, apesar do estranho topónimo, o carteiro não se deu ao trabalho de devolver!... Outros tempos!
            Um último caso:
            Ditei pelo telefone a minha morada à secretária do senhor vereador de uma câmara municipal de Portugal. E, apesar de o número ter sido escrito 80 i 9 (por 89…), a encomenda chegou direitinha!... 80 i 9 não lembraria ao Diabo, mas que aconteceu aconteceu! A senhora deveria ter passado uns tempos na Inglaterra ou no Canadá, onde os endereços são uma verdadeira charada. Tenho um amigo que vive em Toronto e o endereço termina assim: «M3J 1P3. Canada». Não admira, pois, o F 420 nem o 80 i 9!...
                                                              José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 187, 17-05-2017, p. 6.

 

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