quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A poesia serve-se à mesa!

           Chamava-se Parktime o bar de um dos parques da Marinha Grande e foi Daniel Matias o designer que concebeu toda a sua arquitectura e decoração. Quando lá estive, a 9 de Maio de 2006, com a minha querida Amiga Alice Inês, que ora me forneceu estes dados (bem hajas!), havia «poemas sobre o tempo no tampo das mesas e muitos relógios na parede, que marcavam o tempo do mundo». Sim, «poemas», qual forma bonita de dizer o que nos vai na alma, em palavras poucas, densas de conteúdo. Gostei.
            Anos atrás, quando a Câmara Municipal de Cascais tinha vereador da Cultura, celebrou com a Panisol um protocolo: o pão era metido em sacos de papel, que tinham por fora o poema de um dos nossos poetas. «Letras doces» / «A Paixão pela Leitura…» – assim se designou a iniciativa.
            Hoje, voltou a Poesia «despida», que se come depressa, terceto que, pelo seu ar inusitado, nos obriga, porém, a pensar. Exemplifico com um do mais recente livro de Carlos Carranca («o fogo o tempo e as cinzas», p. 63):
            – Chá?
            – Prefere café?
        – Talvez um murro sobre a mesa!
            E a gente suspeita a violenta opção pelo murro, em vez da doçura dum chá ou dum café…
            O certo é que, mui sorrateiramente, a poesia serve-se à mesa. Já se disse das frases bonitas, cheias de poéticas imagens com que nos apresentam os vinhos:
            «Aroma rico e cheio a frutos em passa, compota e caramelo, com ligeira adstringência, equilibrado, de taninos suaves e aveludados, com corpo, onde se nota o carácter frutado e ligeira evolução, que se prolonga no final da prova».
            Aroma rico, taninos aveludados… Poesia, claro, à maneira de Cesário Verde, que guindou a poéticas as coisas do quotidiano.
            E, agora, nessas ementas ditas gourmet (galicismo evitável, mas já internacional, acho que ‘guloso’ dava mais requinte), veja-se o que me enviaram, não sei se inventado, se real; que tem poesia, isso tem:
            «‘Crevette grisée’, envolvida em molho bechamel, com pequenos apontamentos de salsa frisada australiana, na sua cama de massa fina, banhada em pão ralado crocante e confitada em óleo vegetal».
            Quem me enviou, acrescenta que, na lista, é de 15 € o preço desse… rissol de camarão, saboreável (por um euro!...) na tasca da esquina.
            Mas digam-me lá: tinha algum jeito escrever prosaicamente «rissol de camarão»?...

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 699, 01-01-2017, p. 11.

3 comentários:

  1. Alice Inês, 4-1-2017, 22.59
    Que rissol mais saboroso!
    Bem hajas por tornares a poesia tão saborosa e contagiares com este sabor os que te leem!

    ResponderEliminar
  2. António Maia Amaral:
    É uma ideia que, creio, começou em Guimarães, pela bibliotecária Isabel de Sousa, daí sendo copiada por várias outras Bibliotecas e Câmaras Municipais.
    P.S. E não está nada mal, senhor Professor José d'Encarnação, este nome para o rissol de camarão: «‘Crevette grisée’[...]».

    ResponderEliminar
  3. Manuela Barreto Nunes
    Sim, chamava-se "pão com poesia" e foi a Isabel Sousa que criou o projecto em Guimarães, há uns 20 anos, através de um acordo entre a câmara / biblioteca e uma empresa de panificação que tinha uma rede de padarias e pastelarias.

    ResponderEliminar