terça-feira, 18 de outubro de 2016

A loucura institucionalizada

             Peço desculpa por me atrever a abordar um tema cujos actores podem, porventura, ser alheios ao seu quotidiano. Ou talvez não, porque se me afigura que esta loucura é assim como aquelas ervas daninhas dotadas de enorme capacidade de propagação e não há herbicida capaz de as exterminar ou, pelo menos, de lhes suster o avanço.
            Um exemplo: vais participar, em capital estrangeira, numa reunião da tua especialidade e a tua expectativa, longamente acarinhada, será: vou aí reencontrar amigos de décadas, que há alguns anos não vejo e com os quais apenas mantenho contacto, de vez em quando, através de correio electrónico. Daremos aquele abraço real tanta vez repetido virtualmente; tomaremos um café ou, à hora da refeição ou na pausa-café, dirás da tua vida, saberás das deles, de filhos e de netos, e transmitirás, olhos nos olhos, aquilo que o correio electrónico é incapaz de fazer. Sim, poderias ter comunicado também por skype ou pelo messenger; mas… não é a mesma coisa!
            Puro engano!
            A maior parte desses teus amigos apareceram meia hora antes do horário previsto para a sua intervenção e, na pausa-café, é «olá e adeus!», porque devem partir de seguida para outra reunião que, aproveitando o ensejo, fora previamente agendada para a mesma cidade. Ou, então, necessitam de ir apanhar o comboio porque, noutro local ou no seu próprio local de emprego, outra actividade os espera!
            Uma correria!
            Por detrás dessas vidas a correr está o sistema instituído por entidades superiores, que determinaram objectivos rígidos a cumprir, sob pena de não se avançar na carreira, de se ficar a marcar passo ou, simplesmente, de, sem aviso prévio, não se ver renovado o contrato.
            Pensava – sei agora que ingenuamente – que essas «entidades superiores» eram presididas por pessoas, que também tinham família, que gostavam de ter momentos de pausa, que apreciavam o cultivo da amizade… Não! Presidem-nas autómatos, ligados a computadores cheios de gráficos, que lhes chegam através da internet de outros países com características completamente diferentes do seu, mas que, apesar disso, eles vão procurar introduzir, porque… «vem de fora!» e tem, por isso, de ser bom.
            «Indignai-vos!», proclama Stéphane Hessel. Indignação precisa-se! Contra esta loucura institucionalizada que, obviamente, não leva a sítio nenhum!

                                                  José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 694, 15-10-2016, p. 12.

2 comentários:

  1. Ana Teresa
    18/10 às 23:35

    Por muita globalização que haja, um latino nunca será igual a um nórdico, um asiático, um africano, etc.

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  2. Fabio Liborio Rocha
    19/10 às 19:46
    Grande pensamento crítico sobre a sociedade do consumo pós moderna, Dr. José d'Encarnação.

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