quarta-feira, 20 de julho de 2016

Alice no Jardim das Maravilhas pela Companhia Palco 13

             Está em cena, de quarta a domingo, a partir das 22 h. e até dia 31, no Parque Marechal Carmona, a peça teatral Alice no Jardim das Maravilhas, pela companhia Palco Treze.
            Uma adaptação, da autoria de Maria João Afonso, do clássico livro de Lewis Carroll (1832-1898), Alice no País das Maravilhas. Na versão original, a menina cai na toca de um coelho e entra, assim, num mundo fantástico, por onde, naturalmente, se passeia e se maravilha… E essa poderá ser a primeira mensagem a reter: urge que aumentemos a nossa capacidade de nos maravilharmos! É tão vertiginosa a evolução que, amiúde, descuramos motivos de encanto, ao alcance de um atento olhar. Quando, depois, alguém nos chama a atenção para isso, ficamos… admirados.

Uma reflexão
            Curiosamente, foi também essa a primeira reflexão que fiz quando, na noite de sexta-feira, 15 – uma daquelas noites únicas de Cascais, morna, serena, estrelada… – vi as primeiras cenas a desenrolarem-se junto do Palácio dos Condes de Castro Guimarães: «Quantos terão já contemplado tranquilamente o interior desta casa-museu?».
            Depois, a escultura de bronze que lhe fica defronte e que ora, derrubados os vetustos eucaliptos, mais sobressai? Quantos saberão que se trata de uma das obras célebres de Joseph Bernard, «Jeune femme dançant avec son enfant»?
            Aliás, não poderia ser outro – dizemos nós agora… – o ambiente para o começo: saem de um palácio as personagens nobres e, no jardim fronteiro, junto à «jeune femme», ensaiam danças antigas, no condão de nos levarem, de imediato, para o reino dos contos de fadas…
            E eis senão quando, Alice, que ali ‘caíra’, não numa toca, mas no meio dessas personagens de vestuário estranho, desata a fugir e esconde-se no meio do arvoredo, a recusar o encontro que a deixara pasmada. Grita-se por ela e consegue-se, enfim, saber do seu paradeiro…
            O relvado do parque, sito para sul do roseiral e defronte da biblioteca dos pequeninos, cercado da magia iluminada das árvores, não poderia ser melhor para tudo se desenrolar ali, nos mais esquisitos cenários em que o transformam.
            Feliz, muito feliz, portanto, a escolha do local e bem adequada a ele a encenação de Marco Medeiros. A um canto, como que ocultos por velho tronco, os músicos Jorge A. Silva e Nuno Gonçalves (teclados, saxofone, clarinete) salpicam de ajustados sons ao vivo as fantasmagóricas cenas a que, em silêncio, vamos assistindo…
            Lúcia Moniz é Alice, bem secundada por praticamente todo o elenco da companhia: Alexandre Carvalho, David Ferreira, Gláucia Noémi, Gonçalo Carvalho, Isac Graça, João Jesus (o gato que teve de aprender sapateado…), João Vicente, Leonor Biscaia, Luís Lobão, Maria Camões e Rita Tristão da Silva – actores saídos, diga-se de passagem, na sua quase totalidade, da Escola Profissional de Teatro de Cascais.

As lições
            Para já, a arte de bem adaptar, de bem encenar e de bem representar, tanto mais de louvar quanto sabemos serem sempre escassos os meios de que se dispõe para erguer um espectáculo teatral. Sintomático, aliás, o facto de, no final, após os aplausos e após os actores se haverem esgueirado pela escuridão, o público ainda ter ficado largos minutos sentado, como que a saborear o que vira, na amenidade da noite. Lá em cima, pensativas elas também, uma amarelada Lua e três ou quatro estrelas cintilantes…
            Em segundo lugar, a eternidade de certas obras literárias. Têm os escritores esse condão. E apraz-se salientar dois dos muitos aspectos, já devidamente analisados, decerto, por tantos comentadores:
            ‒ Interroga-se Alice, a cada passo: quem sou? O que estou aqui a fazer? Donde vim?… Ao ouvirmos os noticiários de hoje, ao termos conhecimento de tão desenfreadas loucuras, não nos interrogamos também: «Mas isto está tudo louco ou sou eu que enlouqueci? Quem somos?»…
            ‒ «Cortem-lhe a cabeça!», grita com frequência a Rainha de Copas (João Vicente) do alto da sua importância e da sua autoridade. Felizmente que ninguém a leva a sério. Mas… nesta 2ª metade do ano da graça de dois mil e dezasseis, quantos não levam a sério essa ordem?!...
            Calou-nos fundo a poesia da noite com as suas fantasmagorias e a vontade imensa de, definitivamente, se aniquilarem fantasmas e monstros. O certo é que monstros e fantasmas continuam a existir!
                                                           José d’Encarnação

           Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 149, 20-07-2016, p. 6.

Fotos reproduzidas, com a devida vénia, da página do Facebook da Palco 13.




1 comentário:

  1. Comentário da parte do Palco 13 (que agradeço):
    Boa noite. Muito obrigada pelas suas palavras simpáticas. Ainda bem que o espectáculo lhe agradou e que provocou a reflexão de que fala. Ficamos muito contentes. É bom trabalhar e saber que o que se faz desperta a atenção e agrada. Bem haja. (Já agora, um acrescento: o Gonçalo e o Alexandre também tiveram de aprender sapateado! �� ) Um abraço

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