quinta-feira, 23 de junho de 2016

Outros olhares – precisam-se!

            Na sexta-feira, 17 de Junho, no Programa da Manhã da Antena 1, deu-se relevo ao facto de muito jovem bailarino de uma academia de dança de Leiria ter sido galardoado com um primeiro prémio em Nova Iorque e se preparar, agora, para ir cursar bailado, no próximo ano, no Royal Ballet, de Londres.
Maria Cabrita e Francisca Laia -
canoístas - medalhas de ouro
[Foto do Diário de Coimbra]
            Noticiou-se também que os nossos canoístas regressaram cheios de medalhas na 7.ª edição do Campeonato do Mundo Universitário de Canoagem de Velocidade: «A selecção portuguesa fechou o pódio colectivo, a par com a Hungria, com oito medalhas conquistadas: duas medalhas de ouro, cinco de prata e uma de bronze» (Diário de Coimbra, 11-06-2016).
            Também já começam a ser notícia as outras muitas medalhas que, à custa de enorme dedicação e, amiúde, sem apoios oficiais, os nossos atletas paralímpicos arrecadam nas competições em que entram.
            Para contrabalançar a enxurrada de informação sobre o Europeu de Futebol, a RTP 1 apresentou, ainda que timidamente (a meu ver), portugueses de êxito nos mais variados sectores de actividade e nos mais variados recantos do mundo.
            Custou-me, por isso, ouvir, no decorrer de uma reportagem sobre o Rali de Portugal, aquela senhora idosa (ou aparentemente idosa) a proclamar alto e bom som, a 22.05.2016: «Isto é um país muito atrasado!».
            Sê-lo-á em muitos sectores; mas em quantos outros não damos cartas? Na Medicina, por exemplo. Não correu mundo a história da criança que se desenvolveu no útero materno e cuja mãe já se encontrava, há meses, em morte cerebral? Não foi um êxito a recomposição do pavilhão auricular de um jovem, conseguido no Porto e que se noticiou no passado dia 16?
            Outros olhares precisam-se, de facto. A linguagem derrotista e negativa carece urgentemente de se alterar!

Música
            Nikolay Lalov dirigiu, mais uma vez, a Orquestra Sinfónica de Cascais: foi o Concerto de Verão, no passado dia 11, no auditório da Senhora da Boa Nova (Galiza - S. João do Estoril).
            Perguntar-se-á: que tem isso a ver com o que atrás se escreveu? Muito, responderei, pelo significado que tem um município teimar em manter uma Orquestra Sinfónica, em tempos onde as atenções vão para os bancos que caem, as negociações que se quebram, os incompreensíveis atentados quotidianos... E é bom, por isso, dizer que, mais uma vez, o auditório se encheu e que os músicos nos brindaram com um reportório nada habitual, a exigir de todos o domínio perfeito da pauta que lhes cabia e a sua mais aturada concentração.
            Trechos que – se bem compreendi – raramente se executaram em Portugal (salvo a conhecida «Dança do Sabre»). Do búlgaro Lubomir Pipkov (1904-1974), Introdução e Danças da Ópera "Momchil" (se não erro, a primeira audição a nível nacional); depois, do arménio Aram Khachaturian (1903-1978), incluídas na Suite do Bailado "Gayaneh", a mencionada Dança do Sabre, a Dança de Ayshe e Lezghinka. Fomos brindados com uma peça extra antes do intervalo, porque a 2ª parte foi de uma variedade incrível, em que vimos – como raramente se observa – um diálogo estreitíssimo e bem difícil entre os metais e os fagotes com os instrumentos de corda e onde a percussão, o piano e a harpa também desempenharam papel de relevo.
            Estou a referir-me à peça do compositor russo Modest Mussorgsky (1839-1881), intitulada Quadros de uma Exposição, com orquestração de Ravel.
            Vale a pena contar como é que tudo aconteceu, em Junho de 1874.
            Ao visitar, numa galeria de São Petersburgo, a exposição de pintura do seu grande amigo Viktor Hartmann, recentemente falecido com apenas 39 anos, Mussorgsky ficou de tal forma impressionado que decidiu escolher dez quadros e compor uma música para cada um, unindo-as com um tema comum a que deu o nome de Promenade («passeio»). Perpassam, pois, pelo conjunto as melodias folclóricas russas e o resultado é admirável, invulgar, estranho até (ousaria dizer) a ouvidos mais atreitos às doçuras líricas e a outros passeios mais românticos... Este «passeio», porém, é doutro estilo e não deixa de nos encher as medidas.
            Há que repeti-lo, amigo Lalov, embora suspeite da enorme dificuldade que tem a sua execução.
                                                              José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 145, 22-06-2016, p. 6.

Sem comentários:

Enviar um comentário