quarta-feira, 29 de julho de 2015

Peer Gynt - uma representação que dá que pensar!

             Escreve Miguel Graça, na folhinha distribuída em cada sessão, que a peça «Peer Gynt», do norueguês Henrik Ibsen, datada de 1867, nos põe questões: «O que é viver?», «Quem somos nós?».
            Na verdade, ao vermos as peripécias imensas por que passa o protagonista, altos e baixos, anjo e demónio, acabamos por sentir que, amiúde, cenas dessas também fizeram parte da nossa vida. Aliás, o próprio Carlos Avilez, o encenador, diz mesmo que «Peer Gynt é uma viagem extraordinária que fizemos primeiro ao longo de 50 anos e agora nestas últimas oito semanas».
            Merece o texto, na – sempre de elogiar! – versão e dramaturgia de Miguel Graça, uma análise profunda. E cada um dos espectadores, por mais vezes que veja o espectáculo (em cena no Teatro Municipal Mirita Casimiro, até 9 de Agosto), há-de reter inúmeros motivos de reflexão, inclusive porque – embora escrita em meados do século XIX, eivada, pois, dos ‘fantasmas’ de então, que não serão, afinal, mui diferentes dos nossos – a peça detém uma riqueza extrema. Não cabe, pois, nesta leve crónica um esmiuçar das filosofias de vida aí apresentadas. Mas não passarão despercebidos, mesmo ao espectador menos atento, alguns bem sugestivos apontamentos, a que o trajar ou o simples tom de voz e pronúncia emprestam uma actualidade pungente, que – estou certo disso! – toda a companhia bem se divertiu em caricaturar. As bailarinas de… burka! Ou aquela espécie de conferência de líderes europeus, de tiques bem nossos conhecidos e teorias também…

Uma prova de finalistas
            Recorde-se que, ao lado dos actores da companhia, entram em cena, para a sua prova de aptidão profissional, os estudantes finalistas das Escola Profissional de Teatro de Cascais, assim como alguns dos alunos do 2º ano, para desde já se habituarem a pisar o palco.
            Há, por isso, quatro elencos, uma vez que a intenção de Carlos Avilez, em sintonia com o corpo docente da Escola, é fazer com que cada um dos estudantes vista a pele de mais do que uma personagem. Primeiro, para ser avaliado; depois, para que se auto-avalie e verifique em que papel melhor se sente; e, finalmente, para que saiba ser a versatilidade uma das características mais importantes do actor: hoje, senhora, amanhã, criada; depois, bailarina ou bruxa ou doida varrida, cheia de tiques…
            Uma peça como esta – que é, no fundo, o imaginário retrato da vida, uma espécie de odisseia dos tempos modernos, também ela pejada de fantasias, sonhos e loucuras… – presta-se bem a pôr à prova os dotes do estudante que sonha ser actor. E não se pense que há aqui «papéis pequeninos», sem valor e sem necessidade de treino ou atenção. Nada disso! Veja-se, a título de exemplo, a cena do manicómio: cada um representa a seu modo, tudo estudado ao pormenor, para que seja eloquente o conjunto. Recordo que, tendo ido à zona dos camarins para cumprimentar alguns dos intervenientes, olhei para o palco e vi como os rapazes encarregados de, a determinado momento, retirarem um palanque metálico, estavam a treinar, para que, na representação seguinte, tudo corresse a contento. Porque, senhores, as mudanças de cenário, feitas num ápice, requerem treino adequado e sobretudo se, como no caso vertente, esse mobiliário é retirado mesmo em cena e, ainda por cima, em movimentos quase de bailado, que necessitam de notável sincronia. E, nesta acção, como em toda a peça, a coreografia de Natasha Tchitcherova desempenhou papel fundamental.
            Carlos Avilez – sempre com o apoio incansável da sua equipa técnica, que se desdobra – pensou numa cenografia singela, mais de evocação de ambientes do que da sua efectiva recriação (que, aliás, bem se dispensa). Fernando Alvarez teve, também aqui e nos figurinos, acção relevante, com a ímpar experiência que se lhe reconhece. É singela, sim; mas exige, por isso mesmo, rápida e bem sincronizada movimentação de actores.
Maria Vieira e Pedro Condessa, mãe e filho
            São quase quatro horas de espectáculo, contando com os dois intervalos. O protagonista (José Condessa e André Leitão) está em cena o tempo todo. Maria Vieira, a actriz convidada, que faz o papel de mãe do protagonista, ocupa parte importante do primeiro acto e, pelas declarações que já lhe ouvimos, considera esta uma das bem importantes experiências da sua carreira, nomeadamente – como tem acentuado – por poder partilhar o palco com estes jovens e promissores actores.
            Enfim, com mais esta prova de aptidão profissional, que reúne em palco 51 actores mais 22 alunos do 2º ano, o Teatro Experimental de Cascais demonstra a validade do teatro como forma de fazer Cultura e Intervenção e documenta, por outro lado, o excelente trabalho educativo que, através da arte de bem representar, se está a desenvolver na Escola Profissional de Teatro de Cascais.
            Não há senão uma atitude a tomar: aplaudir. De pé!
                                                                      José d’Encarnação
 
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 103, 29-07-2015, p. 6.

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