sábado, 20 de junho de 2015

Paródias é que é bom!

             Não, não me refiro aos eventos festivos, muitos, que celebraram os 650 anos da elevação de Cascais a vila. Seria ofensivo, despropositado. Quero referir-me às paródias mesmo, àquelas que, desde 11 de Dezembro passado e até ao próximo 15 de Julho, se mostram na Casa das Histórias Paula Rego.
            Confesso o meu pecado por só tão tardiamente delas me haver apercebido. Sempre é bom, porém, ter um parente que decide passar uns dias cá em casa e nos diz «Olha, mostra-me Cascais, que eu não conheço nada!». E, claro, foi a visita pela baixa cascalense, o Centro Cultural, a Casa de Santa Maria, o Condes de Castro Guimarães, o Museu da Presidência de fugida (com aquela original exposição no baixos, a não perder, acerca dos ‘bastidores’ de célebres peças teatrais), o museu e o farol de Santa Marta, com o privilégio de se observarem lá do cimo, a meio da manhã do dia 11, os golfinhos (seriam dois grupos sociais deles?) que ao longo da costa se dirigiam para os lados do Guincho... E a Casa das Histórias.

A exposição Paródias, na Casa das Histórias
            Como se sabe, é errado pensar-se que ver a Casa das Histórias uma vez está tudo visto e não se fala mais no assunto. Mesmo que haja pinturas que ganharam jus de permanência, há sempre uma diferença a salientar e a justificar a visita.
            Catarina Alfaro, responsável, desde Março de 2010, pela programação da Casa, foi a responsável pela ideia e sua concretização. O resultado da pesquisa levada a cabo para erguer esta exposição está à vista. E agrada-me.
            Gostaria de ter sabido, mediante a leitura do texto que vem no folheto do percurso expositivo, como é que a ideia surgiu e, sobretudo, como é que se chegou lá. Começa-se por explicar – e transcrevo esse início, a título de exemplo – que «a exposição Paródias se delineou no amplo contexto de referências indirectas de Paula Rego e estruturou-se, desde logo, a partir de um diálogo, não ilustrativo, entre as obras dos dois artistas, distanciadas por mais de um século, que transmitem uma visão crítica de vida e dos costumes portugueses da sua época».
            Os parágrafos seguintes vêm na mesma linha pensamento, a esclarecer como Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905: é mesmo do criador do Zé Povinho que se trata!) parodiou o seu tempo, designadamente os políticos do seu tempo, e como também Paula Rego, nomeadamente em tempo de ditadura, se não privou de ridicularizar o que ia acontecendo. É um texto erudito, denso, que certamente não terá muitos leitores (e será pena!), mas onde se realça – e transcrevo outra passagem – que «esse processo de denúncia social e política é elaborado pelos dois artistas a partir de uma observação atenta do quotidiano, que reflecte, apesar da distância cronológica que os separa, o modo como o contexto ideológico, filosófico, político e mesmo moral do realismo foi determinante na definição do percurso artístico de ambos».
            Catarino Alfaro foi à obra de um e de outra e colheu imagens que colocou lado a lado. E o visitante admira-se do extraordinário paralelismo, inclusive formal, no gesto e na estrutura. Foi mesmo Paula Rego colher inspiração a esse desenho específico de Bordalo Pinheiro? Provavelmente, não. E se assim não foi, muito é de realçar o intenso labor comparativo que Catarina Alfaro levou a cabo, pois tal implica um conhecimento profundo da obra dos dois artistas.
            Que o resultado que está à vista surpreende, isso não há dúvida nenhuma!
            Que é de aplaudir a ideia e que a exposição tem de ser vista por muita gente e analisada com olhos de ver, tanto no que se refere ao Bordalo Pinheiro como à Paula Rego – também dúvidas não poderá haver.
            Têm os artistas este condão de serem intemporais. Ou seja: a sua obra nasceu de impulsos de um contexto histórico-geográfico determinado; contudo, queira-se ou não, esse contexto repete-se, de tempos a tempos, e mais nuns tempos do que noutros. Tem a exposição termo marcado para 15 de Julho. Irá o Povo de férias, ainda que continue, então, a pender no ar um contexto eleitoral. E também nesse aspecto – eu ia a escrever, ‘sobretudo’ nesse aspecto – a exposição é de ver-se. Não foi decerto sem intenção que Catarina Alfaro incluiu na quarta página do folheto a bem conhecida imagem que mostra «A Política: a Grande Porca». Esse «mundo ambíguo e complexo de interacção entre humanos, animais, vegetais e híbridos que funciona igualmente como um complemento humorístico», essa «dúplice condição» atribuída aos animais, que Catarina aponta ser apanágio de ambos os artistas. Aliás, não se recorre amiúde às fábulas, ao «tempo em que os animais falavam» para sarcasticamente se verberarem atitudes repreensíveis?

                                                                                  José d’Encarnação
 
               Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 97, 17-06-2015, p. 6.

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