terça-feira, 28 de abril de 2015

Atamancar paparrioca

            Que tempo aborrecido este, de morrinha, embrulhado, não chove nem faz sol, que nos deixa a todos meio azamboados, tontos…
            E, depois, logo de manhã, pão fresco não o havia, o leite já nem tem aquele sabor d’outrora, quando uma pessoa descia ao estábulo e mungia a vaca, aquilo é que era uma delícia, quentinho e cremoso, ao natural!… A força daquele pequeno-almoço bom!...
            Até para as crianças, não havendo o que chamam de ‘cereais’, lá a velhota – os pais partiram cedo para o trabalho ou à procura dele!... – atamancava qualquer coisa, uma paparrioca qualquer para lhes aquecer o estômago…
            Fiquei a pensar no que o Ti Manel Zé me dissera, cofiando o bigode farto e tisnado, de queixo sobre as mãos que o luzidio cajado aguentava.
            ‘Atamancar’ percebi e gostei do significado: tamanco é calçado singelo, sem esquisitices… ‘Atamancar’ contém, pois, essa ideia de expediente a que se lança mão para resolver situação urgente. Logo se busca um calçadinho melhor!...
            Agora do que gostei mesmo foi da… ‘paparrioca’! Deturpação, sem dúvida, na oralidade quotidiana, de «paparoca», a implicar, porém, significativo pendor sarcástico, quase deliquescente… como se o pretenso acepipe tivesse recebido água a mais…

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 196, Maio de 2015, p. 10.

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