quarta-feira, 8 de abril de 2015

As dificuldades do aprender português

             Pasmei, a 14 de Março passado, quando, no Castro de S. Lourenço (Vila Chã – Esposende), vi dois painéis explicativos. Num, o título era ‘setor’; noutro, ‘sector’. No primeiro, o texto era em língua portuguesa; no segundo, em inglês. Nunca como nesse momento me apercebera do disparate que é – em minha opinião, de septuagenário, entenda-se! – obrigar a escrever segundo as normas do chamado «Novo Acordo Ortográfico».
            Setor em português, sector em inglês. Pasmei! E perguntei-me a mim mesmo como será doravante ainda mais difícil ensinar a nossa língua, se essas novas regras vierem a ser efectivamente tornadas ainda mais obrigatórias do que ditatorialmente hoje já são.
            A reflexão impôs-se no meu espírito, ao receber o livro Português, Meu Amor, apresentado em Hamburgo – a cidade alemã mais portuguesa – a 1 de Abril.
            Reúne o volume 49 artigos publicados ao longo dos últimos anos pelo Dr. Peter Koj no boletim da Associação Luso-Hanseática, de Hamburgo, Portugal-Post [Correio Luso-Hanseático].
            Peter Koj veio para Portugal, em comissão de serviço, ao abrigo do acordo cultural existente entre os dois países, como docente do Instituto Alemão, de Lisboa. Instalou-se, em 1976, no Estoril e, por sugestão de uma amiga comum, bateu-me à porta com a seguinte proposta: eu ensino-te alemão e tu ensinas-me português. Recordo-me que lhe disse que isso venha mesmo a calhar, porque acabara de receber uma carta inteiramente redigida em alemão e aproveitava para lhe pedir a tradução, mesmo por alto. Verifiquei, porém, que, para compreender o princípio, Peter tivera que ler até ao fim; eu, que, embora tivesse aprendido latim e soubesse que a do alemão era uma estrutura frásica semelhante, retorqui-lhe, pois, com um provérbio: «Sabes, burro velho não aprende línguas!».
            Recusei a aprendizagem, não a leccionação. E, ao longo de todo o período em que Peter Koj esteve connosco, com ele fui aprendendo muito, porque, aluno extraordinariamente diligente, me punha questões que me obrigavam a estudar. Uma aprendizagem mútua, que, por vezes, nos deu enorme ‘gozo’, quando, por exemplo, decidimos fazer o rol (imenso!) das palavras e expressões que têm o significado de bebedeira ou, ainda, os sinónimos de «fugir». Quando vimos as múltiplas formas de dizer «fugir» até pensámos: se calhar, é essa uma característica portuguesa!...
            A odisseia das formas verbais; este hábito horrendo de comer tudo (não se diz ‘têlêfôná’, como os brasileiros, mas ‘telfuná’!...); os idiotismos; os provincianismos e as diferentes pronúncias locais… – tudo foram escolhos a ultrapassar, até porque Peter Koj, além de ter percorrido o país de Norte a Sul, fazia questão em ler os jornais e estar ao corrente dos livros mais ‘badalados’. Repito: foi para mim uma grande aprendizagem.
            Aliás, em Cascais, incrementou largamente o intercâmbio entre estudantes: alunos de escolas alemãs estavam uma temporada em casas dos pais de alunos portugueses e, depois, eram os portugueses que iam a Hamburgo.
            No livro, Peter Koj debruça-se sobre as diferenças – para os estrangeiros, deveras curiosas – de identificação da ‘imperial’, da ‘bica’…; o universo das siglas; os particípios activos e passivos (há muita gente que não sabe que se diz ‘ter matado’, ‘ter aceitado’ – e não ‘ter aceite’…); a diferença entre ‘ser e ‘estar’; os aumentativos que têm valor de diminutivo; o uso constante do «mais ou menos»; o amplo significado do advérbio «oportunamente»; a história da presidenta...
            Creio, por conseguinte, que mesmo para os «portuguêsfalantes» (!) o livro constituirá uma aventura curiosa, até porque, nesse jeito de ‘saber sorrir’ que Peter Koj de nós aprendeu, há dispersas pelo volume caricaturas de… «partir o coco!».
            Também na medida em que fui parte dessa aprendizagem, não posso deixar de me regozijar com a iniciativa, sobretudo, no momento em que a invasão dos anglicismos ameaçava afundar a enorme riqueza de uma língua falada por mais de 240 milhões de pessoas (há que repeti-lo!), a 5ª língua europeia mais falada no Mundo.
            Acrescente-se que a Peter Koj, hoje com a bonita idade de 76 anos, foi atribuído, em 1996, o Prémio da Fundação da Casa da Cultura de Língua Portuguesa, pelo seu dinamismo em divulgar a nossa língua. E se ora lhe não posso eu dar um prémio, aqui fica o meu enorme aplauso por este livrinho de 164 páginas – que depressa carecerá de nova edição, estou certo!

                                                                        José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 87, 08-04-2015, p. 6.

 

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