quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Ai, os velhos!

            O facto de já o sermos ou de com eles convivermos no quotidiano não deixa ninguém indiferente. De modo especial, claro, os que para com os velhos têm obrigações, porque filhos, netos ou simples familiares.
            Não admira, pois, que escritores os escolham para protagonistas, As ânsias, as dificuldades, as manias, os hábitos enraizados, o viver em passados horizontes… Não é já o estafado tema do conflito geracional; é outro olhar, outra compreensão.
            No livro Cal, colectânea dos contos e outros escritos que foi publicando aqui e além, José Luís Peixoto embrenha-se nas vidas dos velhos perdidos numa aldeia alentejana – ele que nasceu em Galveias (Ponte de Sor) – e delas nos traça, em pinceladas negras de uma profunda tristeza, a enorme falta de horizontes, o recalcar de sentimentos, ódios ocultos… Angustiante!... A evasão do concreto, na senda de um realismo mágico, em que até os animais parece que falam, fuga mágica que, afinal, é capaz de não ser assim tão irreal como se suporia.
            João Lourenço Roque, por seu turno, nas saborosas crónicas publicadas mensalmente, de 2005 a 2010, no Reconquista de Castelo Branco, escritos que reuniu em Digressões Interiores (edição da Palimage, Coimbra, 2011, com patrocínio da Câmara Municipal de Castelo Branco e da Junta de Freguesia de Sarzedas), confessa-se aposentado regressado ao seu rincão natal, Calvos. Aí envelhece, bem consciente do que é envelhecer agora, ele que foi catedrático de História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra:
            «Vive-se mais. Espanta-me, por isso, que, em vez de permanecermos jovens até mais tarde, nos tornemos, ou nos tornem, velhos cada vez mais cedo».
            Uma delícia, essas crónicas, envoltas em denso lirismo, de constante diálogo com a pessoa amada. Olhar atento sobre os costumes da sua aldeia, as tradições, o saber os nomes de todos os vizinhos (são tão poucos!...) e o que fazem e o que deixaram de fazer. Quotidiano sereno, embalado na saudade de um tempo que era tempo a saborear.
            Revive a aldeia nestas páginas. Imortalizam-se as gentes, os rituais religiosos, o ciclo anual. Vive-se, mas… «chegou-se ao ponto, arrepiante, de transformar escolas primárias em “capelas mortuárias”»!
            Os velhos, as velhas aldeias… Temos de olhar por eles e por elas!
 
Publicado em Renascimento (Mangualde) nº 655, 01-02-2015, p. 12.

 

4 comentários:

  1. Lourenço Sousa (5/2 às 19:54) comentou:
    «Olá boa noite, Prof. e amigo "Zé d´Encarnação" ( é assim que eu o trato ) . . . . . . Que grande verdade, naquilo que li:... Ai os velhos!!.. Esta frase, até podia ser tua, mas é, realmente, muito atual: ....«Vive-se mais. Espanta-me, por isso, que, em vez de permanecermos jovens até mais tarde, nos tornemos, ou nos tornem, velhos cada vez mais cedo»....... Sem mais comentários!!!

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  2. Jota Be [5/2 às 22:57]:
    Continuo a aprender consigo! Obrigado!

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  3. Leonor Casaleiro [6/2 às 12:32]:
    Grrandes verdades, eu li!

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  4. Sonia Carmona Antunes [6/2 às 18:33]:
    Aprendemos sempre algo com as suas acutilantes crónicas. Parabéns, Caro Professor e amigo José d'Encarnação.

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