quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Teatro, lição de vida!

            Ao agradecer a homenagem que o TEC prestou a sua mãe, a filha de Mirita Casimiro realçou a importância que o Teatro detém na comunidade e incitou todos – novos e velhos – a frequentarem os teatros, não apenas para apreciarem uma Arte inigualável mas também para, dessa forma, ajudarem os actores e as companhias a prosseguir o seu trabalho.
            No Espaço TEC, em Cascais, inaugurou-se, no sábado, 22, a exposição evocativa da vida – curta mas bem preenchida – de Mirita Casimiro, cujo centenário do nascimento passou a 10 de Outubro. Maria Zulmira Casimiro de Almeida, de seu nome completo, viria a partir com apenas 55 anos, atormentada pelas sequelas de grave acidente de viação, que a incapacitara de prosseguir na sua brilhante carreira. Estreara-se em 1934, segundo uns, ou a 5 de Janeiro de 1935, segundo outros, na revista «Viva à Folia!», no Maria Vitória; Leitão de Barros escreveu expressamente para ela o guião do filme Maria Papoila (1937), uma criação imorredoira. De regresso do Brasil, onde se ‘refugiara’, foi acolhida pelo TEC, onde são inesquecíveis as suas interpretações em Mar, A Casa de Bernalda Alba e Maluquinha de Arroios (todas de 1966) e O Comissário de Polícia (1968), entre outras, sempre sob a direcção de Carlos Avilez.
            Muito participada, foi singela, mas emotiva – mormente para quantos tivemos a dita de viver esses esplendorosos e heróicos anos do TEC (sempre em luta com a Censura e não só…) – a abertura da exposição. Falou Carlos Avilez, a realçar o profissionalismo de Mirita; Fernando Alvarez (um dos responsáveis pela mostra) leu a mensagem que João Vasco (impossibilitado de estar presente devido à doença que o aflige) escreveu, numa evocação do que a Mirita ficáramos a dever; interveio a filha, sensibilizada e reconhecida, num apelo a que se não deixe morrer o Teatro; disse Norberto Barroca da biografia que está a escrever. Um grupo de alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais dançou, em alegre coreografia, a conhecida cantiga da Maria Papoila, «Adeus, ó terra!...».
            Reuniu-se ali muita documentação, mormente fotográfica, que vale a pena demoradamente apreciar. Uma carta manuscrita houve, porém, que significativamente me chamou a atenção. Não está datada. Assina-a a actriz, que escreve a Serra e Moura, na sua qualidade de “presidente da Assembleia-geral da Associação”:
            «Quero deixar bem vincado o meu reconhecimento pelas palavras que teve para comigo, que muito me sensibilizaram quer como actriz quer como mulher e mãe.
            Bem haja!».
            Nunca será de mais salientar o lúcido papel que Joaquim Miguel Serra e Moura teve como presidente da Junta de Turismo da Costa do Sol no apoio ao TEC e às manifestações culturais em geral, mesmo arriscando-se a ser mal visto pelo Poder, consciente da importância que as Artes – de todo o tipo – detêm para a comunidade. Um exemplo a não esquecer, nomeadamente nos tempos que correm, em que essa não parece ser uma prioridade política.

Eterno Gil Vicente!
            E essa reflexão leva-nos, necessariamente, aos dois autos de Gil Vicente que o Teatro Experimental de Cascais tem em cena: o Auto da Índia e o Auto da Barca do Inferno.
            Recorde-se que foram estas as peças que o então novinho TEC apresentou em Osaka, na Exposição Universal, no dia consagrado a Portugal, 24 de Agosto de 1970, com um elenco onde se integravam actores que davam os primeiros passos, digamos assim, nas suas carreiras: Maria do Céu Guerra, Rui Mendes, Mário Viegas, Zita Duarte, por exemplo.
            E a ‘eternidade’ da mensagem do consagrado autor quinhentista é agora realçada através de bem arrojada encenação: Carlos Avilez optou pelo… musical! Quem diria?!... Qualquer espectador imagina o ‘gozo’ que terá dado ao encenador e aos seus mais directos colaboradores (Fernando Alvarez na cenografia e figurinos, Miguel Graça na dramaturgia, Hugo Neves Reis e Pedro F. Sousa na música original no desenho de som, Natasha Tchitcherova na coreografia), a congeminarem na perpretação deste ‘crime’! Largas asas concederam à sua imaginação e o ‘crime’ aí está, pronto a ser venenosamente saboreado!
            Sim, escalpelizam-se os lúbricos devaneios das damas cujos maridos para a Índia se foram e por cá as deixam, jovens, sensuais e sozinhas; sim, rimo-nos com gosto dos que passaram a vida em esquemas de todo o tipo e pretendem, alfim, viajar na barca divinal e não têm mais remédio do que subir a prancha que a sedutora e azougada Vanessa, o Diabo em pessoa, lhes manda aprontar. Mas… quem há aí que não se desmanche quando o fidalgo (António Marques) se justifica, a cantar o fado; ou quando Teresa Côrte-Real se desdobra numa interpretação notável; e, sobretudo, quando o parvo, Joane, em «rap», atira as suas sarcásticas piadas: «Ó homens dos breviários, rapinastis coelhorum et pernis perdiguitorum e mijais nos campanários!». O máximo!...
            E, no final, bem divertidos, acabamos por dar inteira razão ao que se lê no texto de apresentação:
            «Obras em que se mantém vivo um retrato da Humanidade, com críticas que não poupam ninguém... se ontem foram fidalgos, padres ou magistrados mas também sapateiros e ladrões; hoje, podemos encontrar no texto paralelismos aos temas do nosso quotidiano
            Trata-se de uma reflexão sobre a contemporaneidade de temas como: a igreja, o tráfico humano, a corrupção, o desemprego, a pobreza ou a injustiça social... sustentando o que é a universalidade da obra de Gil Vicente.».
            Nem mais!

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 71, 26-11-2014, p. 6. Fotos retiradas, com a devida vénia, da página do TEC no Facebook, da autoria de Ricardo Rodrigues.

 

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