sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Na prateleira - 17

Pedaços de aventura
            Gostei de ver, na carruagem, a publicidade: «A CP leva-te a Pedaços de Aventura no Parque Palmela».
            Não fui lá de comboio; mas, num domingo de Dezembro, ainda havia tempo bom, em vez de optarmos pelo paredão, enchemos de oxigénio os pulmões e o olhar dos mui variegados cromatismos verdes do Parque Palmela.
            Fizemos de conta que não vimos os caixotes envidraçados pendurados lá no alto e deliciámo-nos a observar a pequenada a viver perigosamente, na aventura duma travessia por sobre o leito seco do ribeiro, sob o olhar atento dos monitores.
            Havia medronhos; as oliveiras ofereciam azeitonas tristes; a passarada (melros, rolas, fuinhos, felosas, pardais…) brincava, alegre, de ramo em ramo…
            «Pedaços de aventura», um programa inovador, bem complementado por simpática esplanada onde apetece serenar.

Contagiante meiguice
            Admirei-me e não me contive:
            ‒ Tão meiguinha aquela senhora, Marisa! Fala baixinho, pede com uma serenidade incrível!...
            ‒ Viu? É sempre assim! Aquela senhora é bênção serena, quando aqui vem! Uma delícia!
            Andará aí pelos 30/35 anos. Loirinha, em jeito de nórdica há muito a viver entre nós.
            Como, numa tarde, se pode espalhar uma ternura assim!...

Malas, malas, malas…
            Quatro da tarde, 9 de Fevereiro, plataforma da estação de Cascais.
            Vieram primeiro dois, um deles ajoujado de bem pesada mala, ainda com a etiqueta posta no check-in dum aeroporto distante. Ao fundo, uma senhora, negra também, olhava. Já eu me sentara no comboio e vi pela janela: uma gravidez avançada obrigava-a a passada lenta; um dos jovens voltara atrás e carregava agora outra mala, pesadona pelo jeito. Imaginei: família vinda de Angola ou da Guiné, em busca de vida melhor, de maternidade acolhedora onde a criança pudesse nascer.
            Nunca mais os encontrarei, decerto. Nem os rostos bem os fixei. No íntimo, porém, senti que devia ter por eles devoto pensamento positivo: que a vida, aqui, consiga fazê-los sorrir!
 
O comboio
            Apercebi-me, pelo noticiado relatório, que cérebros inteligentes haviam proclamado ser o incentivo ao comboio uma das prioridades! Aplaudo, naturalmente! Pela comodidade, pela rapidez e habitual pontualidade, pela poluição mínima…
            E clamo contra os empórios, contra os interesses instalados, contra a inércia anquilosante! Pode lá ser!... O litoral algarvio, por exemplo: passa um comboio de vez em quando. Velho, desconfortável, imagino eu, quando sei que a cidade de Silves não tem ninguém na estação que fica a quilómetros do centro urbano: nem bar, nem paragem de autocarros, nem táxis, num um só funcionário da CP!...
            Mania essa, suicida, de cortar nas despesas! Como se esse ‘corte’ significasse aumento de riqueza! Gente tacanha, que incita ao empreendedorismo (palavra que lhes enche a boca!...), mas que, no quotidiano das leis que aprovam, só conhecem a palavra cortar! Para… matar!
            Na derrocada, porém, não haverá tábua de salvação disponível!

Os carros
            Toda a gente com dois dedos de testa ficou estupefacta: como foi possível pensar em pôr a concurso carros (dizem!) «topo de gama»?
            Pobre desconfia quando a esmola é grande e começa logo a magicar: que é que está por detrás disto tudo? Cheira a esturro, não cheira?
            E um dia se há-de saber donde se escapuliu a labareda.

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 33, 19-02-2014, p. 6.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário