segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Moda, Arte e Cultura - numa revista de eleição

           Aí está, em papel, o nº 108 (Dezembro de 2013), da revista (agora) semestral Moda & Moda, da responsabilidade teimosa da sua directora, Marionela Gusmão.
           E importa explicar, desde já, a razão de ser do adjectivo «teimosa»: é que Marionela Gusmão tem levado por diante este projecto (hoje tem de falar-se de «projecto»!…), graças a uma insuperável tenacidade, contra ventos tempestuosos e bem adversas marés.
            Sempre a revista deu conta do que de mais relevante havia a referir no mundo da criação estilística; aliás, Marionela Gusmão tem tido ensejo de privar com os mais conceituados estilistas e de sentir, por isso, quanto a moda não é apenas uma profissão mais ou menos rendível, mas um mundo em que outros valores – como a Beleza, o Bem-Estar, a Cultura… – ocupam também lugar proeminente.
            Não é, pois, casual o facto de, a par com a apresentação de esbeltos modelos – esbeltos no vestir, esbeltos na… moldura! –, Moda & Moda venha, em cada número, prenhe de noticiário acerca de exposições, recheada de temas históricos e de reportagens sobre como é que determinado adereço se usou ao longo dos séculos. E, aqui, realce é de dar à sagacidade da investigação e à oportunidade ímpar das mais insuspeitadas ilustrações.
            Na capa do número ora em apreço sugerem-se os mais relevantes temas tratados:
            – a arte bizantina;
            – o Renascimento e o sonho: uma espreitadela a Jerónimo Bosch (Fig. 1), Veronese, El Greco e tantos outros, na mostra que ainda pode ver-se, até dia 26, no Museu do Luxemburgo, em Paris);
            – os têxteis em grande plano, a propósito da «fabulosa exposição Folie TextileMode et décoration sous le Seconde Empire, organizada no Palácio nacional de Compiègne (França);
            – a pormenorizada e bem elucidativa entrevista a Isabel Silveira Godinho, eloquente balanço do que foi, a partir de 1983, a incessante actividade da «grande Dama do Palácio da Ajuda», balanço que termina com o apelo a que se pense em trasladar para Portugal os restos mortais de D. Maria Pia, «a única rainha que continua com o lugar vago no Panteão de S. Vicente de Fora»...;
            – os instantâneos sublimes captados pelo fotografo Raymond Depardon, expostos, até 10 de Fevereiro, no Grand Palais, em Paris;
            – uma nota breve, mas do maior interesse, sobre a Biblioteca de Estudos Humanísticos, mais de 7000 volumes (entre eles uma «preciosa colecção de cerca de 30 manuscritos dos séculos XVI a XVIII – Fig. 2), um «património bibliográfico e cultural» que o Banco Espírito Santo adquiriu, em 2008, à família do professor Pina Martins;
            – a trilogia «Arte, História e Moda», na sugestão de virem a ser, como tem de ser, «pináculos de um tempo novo»…
            Mas fala-se também de pérolas, de perfumes e… de Natal!
            Notável, como sempre, o editorial, em que Marionela Gusmão dá asas à sua enorme capacidade de comunicação e aponta, em espírito crítico, com um saber de experiências feito (passe o aparente lugar-comum), os rumos que importa seguir, esperança e fé:
            «Os sinais de esperança têm que andar por aí, qual ave por céus inacabados, à espera que o vento retorne à calmaria e o Sol o enxugue. Acredito que nas searas cada espiga de trigo vai ter mais de 20 sementes e haverá mais abundância. Já plantei as “searinhas” com que enfeitarei a cómoda onde vai ficar, até 6 de Janeiro, a imagem do Menino Jesus. […] Vou com fé, a correr até à encruzilhada da esperança. Vou mesmo!».
             Essa é a frase final; contudo, pelo meio, há todo o natural verberar contra a situação «de instabilidade vergonhosa» em que se vive. Em que um empresário não pode «fazer previsões», porque «um dia conta com um imposto e, além de ter uma rubrica para os hipotéticos incobráveis, ainda tem que acrescentar as dúvidas com que o Ministro das Finanças nos assusta»…
            Vale, por conseguinte, a pena saborear essas 162 páginas, de muito bom papel couché, profusamente ilustradas a cores, um regalo para a vista, como, por exemplo, na moda bizantina, qual forma de «bordar a História», vestidos de encantar (Fig. 3)! E a anunciada viagem pelo mundo da pérolas? Só visto!
Legendas das ilustrações
Fig. 1 – Escola de Jerónimo Bosch. A visão de Tondal. 1520-1530. Óleo sobre madeira: 54 x 72 cm. Madrid, Fundação Lázaro Galdiano. © Museo Lázaro Galdiano, Madrid.
Fig. 2 – Manuscrito encadernado com fólio de pergaminho de um antifonário, 1555. Exemplo do recurso aos manuscritos dos mosteiros para encadernar outros manuscritos e livros.
Fig. 3 – Que mais admirar? A beleza dos adereços ou a magnífica imitação de mosaicos, no mais perfeito estilo bizantino? Uma criação de Dolce & Gabanna.
Publicado em Cyberjornal, 05-01-2014:

 

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