segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Duas exposições e uma peça, em Cascais!

             Primeira nota, muito positiva: a exposição de Maria Keil nos baixos do Palácio Cidadela, em Cascais, numa parceria do Museu da Presidência da República com a Câmara Municipal. Estará patente apenas até domingo, 27, e será uma pena que alguém que esteja verdadeiramente interessado em Arte a não vá ver.
            O espaço foi muito bem preparado para receber, num tom intimista (diríamos!) este inolvidável conjunto de trabalhos de toda uma vida dedicada à Arte, nos seus mais variados temas e suportes. Sim, os azulejos, sem dúvida! Aqueles a que, sem querer, nos roçamos em estações do metro de Lisboa e nem sequer suspeitamos de que são de uma grande Artista, algarvia de Silves, que o ano passado nos deixou, quando estava prestes a completar 98 anos! Mas os seus trabalhos de ilustração de obras, mormente para crianças… de encantar! E as tapeçarias?
            Exímia no desenho, acutilante na crítica quando tinha de o ser (que a pintura é uma arma também!...), plena de uma serenidade que encanta! Passaríamos ali umas horas!...
            Chama-se de propósito… a obra artística de Maria Keil. E a razão do título resulta – como ali se explica – da oportuna apropriação de uma expressão utilizada pela artista, por ocasião do seu 80.º aniversário: “Faço 80 anos, sim e é de propósito” – embora, antes, tenha dito que… não era de propósito!... E, na verdade, essa frase pode consubstanciar todo o seu percurso de vida e toda uma forma de encarar a existência, em trabalho incessante e profícuo até que… as mãos deixaram de lhe obedecer! A tela final é, por isso, deveras sugestiva: «Tenho trabalhado pouco, não é? Peço desculpa… não soube fazer mais».
            Acrescenta-se na apresentação:
            «A ironia subjacente em grande parte dos seus trabalhos, a desconstrução, a diversidade de abordagens e de suportes e a fuga a categorizações espelham bem a personalidade de Maria Keil e a reivindicação da sua liberdade criativa».
            Horário: de quarta a sexta-feira, das 14 às 20 h.; sábado e domingo, das 11 às 20.

O teatro e os teatros
            No Mirita Casimiro, expõe Fernanda Carvalho, até ao próximo dia 3, «Percursos Teatrais», série de fotografias, a preto e branco, que têm por tema o teatro. Não o teatro-espectáculo mas teatros-edifícios, mormente o seu interior. O teatro de Évora (é capaz de não se saber que Évora tem teatro antigo…), o de Milão, alguns de Lisboa…
            Um olhar quase indiscreto, a realçar ângulos inesperados, de luz invulgar. Deixam-nos pensativos: tudo isto está por detrás de um espectáculo teatral! Por aqui se agarram mãos, na prossecução de um objectivo: para que o espectáculo resulte e a mensagem passe!
            Escreve o encenador José Peixoto, no catálogo:
            «Ignoramos até que o Teatro vive não só na cena mas em todo o espaço teatral que determina a leitura e a recepção do espectáculo».
            E é esse «olhar sensível e revelador da beleza dos teatros» que Fernanda Carvalho pretende – e consegue! – mostrar. E não ficamos indiferentes.

O Tempo e a Ira, de John Osborne
            E, no teatro municipal de Cascais, como se anunciou, «o texto mais controverso do séc. XX inglês»: O Tempo e a Ira, de John Osborne (1929-1994), com André Nunes, Dalila Carmo, Joana Seixas e Renato Godinho.
            Acrescenta-se que a peça «transformou o teatro no país de Shakespeare e não deixa ninguém indiferente». Isso não deixa, porque, no final, acabamos por verificar que, de uma forma ou doutra, ali estamos retratados nalgum dos momentos da nossa vida.
            Uma chatice as tardes de domingo sem programa definido e uma tábua de engomar sempre ali à espera e até nos assusta pensar que há toda uma catrefada de roupa para passar. Vai e vem o ferro («movimentos minimais repetitivos, tão modernos de tão vazios e desconcertantes», anota Martim Pedroso); respira ofegante; uma peça e outra. E… já acabaste de ler o jornal? Estes jornais que dizem todos a mesma coisa. Inferno de vida. O horizonte parece que acaba ali, num torvelinho de ideias desencontradas, de traumas, de... Há o amor que já se tornou monotonia; há a criança gerada, não partilhada e, por isso, ocultada e… abortada. Há o amor-ódio, violência que se amansa.
            Os actores olham-nos nos olhos, amiúde. Querem fazer-nos participantes do que sentem, do que pensam. Sim, porque eles pensam – o que já não é nada comum nos nossos dias! E importava que fosse, neste tempo que sub-repticiamente se nos vai escoando por entre os dedos, em cima de bem arreliante tábua de engomar. Consciencialização é, sem dúvida, a palavra de ordem!
            Todos os actores servem às mil maravilhas esta versão de Renato Godinho (de certo modo, o protagonista, Guido, magnífica criação sua), um dos ‘filhos’ do Teatro Experimental de Cascais. Dalila Carmo (Helena), que nos habituámos a ver nas telenovelas e foi galardoada, este ano de 2013, com o Globo de Ouro de Melhor Actriz, entra de permeio, a baralhar todo o esquema convencional e dá a bofetada (real e simbólica) num ramerrão fastidioso. Joana Seixas (a doce Alice) impõe-se-nos na cena final, olhos fitos nos espectadores, de negro vestida, sentindo cair sobre ela vitupérios a juntar aos horrores por que passou, imóvel, densa, escultura!... André Nunes solta-se, por exemplo, naquela excelente negaça-espectáculo de cantor que, se calhar, um dia até gostávamos de ter sido, para saborear um palco menos frio que este, condimentado apenas a sucessivas xícaras de chá…
            Foi Martim Pedroso que encenou. E é dele o texto principal do singelo programa. Aí escreve, a dado passo, a propósito das atitudes de Guido: refugia-se o protagonista «na culpabilização de tudo e de todos e nem mesmo ele consegue lavar a sua alma a não ser quando recua ao tempo das fábulas com ursos e esquilos».
            Brincar aos ursos e aos esquilos, encher de fantasia o nosso quotidiano será, porventura, uma forma de ultrapassarmos a dureza esquelética e disforme de uma realidade feia, sem graça nenhuma, porque despojada da imaginação e do sonho!
            A peça vai estar em cena no Mirita Casimiro até 3 de Novembro, de 5ª a sábado às 21h30 e domingo às 17h!
            A não perder!

Publicado em Cyberjornal, 20-10-2013:

 Nota: As fotos de 'O Tempo e a Ira' são de Ana Lopes Gomes. Reproduzimo-las com a devida vénia. 

Sem comentários:

Enviar um comentário