segunda-feira, 29 de julho de 2013

O significado da villa romana de Freiria

             No âmbito de uma acção de sensibilização para o património, levada a efeito pelo movimento SERCASCAIS, foi visitada a villa romana de Freiria e aproveitou-se o ensejo para dar uma ideia do seu enquadramento histórico e da sua real importância como sítio arqueológico do concelho, alvo de uma série continuada de campanhas de escavação e que ora aguarda a concretização, no terreno, do Plano de Pormenor já superiormente aprovado, para que se recomecem os trabalhos, nomeadamente tendo em conta a sua valorização e musealização.
            Na qualidade de um dos arqueólogos responsável pelo sítio, não posso, pois, deixar de me congratular com a iniciativa e louvar o jornal O Correio da Linha pela circunstanciada reportagem que inseriu na sua edição de Junho (p. 18), sob o título «Caminhada noturna para ver milagres de Cascais», assinada por Igor Garcia Pires.
            Sem entrar em pormenores e sem discutir a ‘filosofia’ que presidiu à caminhada, que respeito, cumpre-me, porém, esclarecer algumas das passagens que mais directamente se prendem com a arqueologia (e agradeço a Paulo Pimenta a oportunidade de aqui publicar esses esclarecimentos):
            1. Titus Curiatius Rufinus não foi enterrado ali, que se saiba; ele foi, sim, o dedicante de um altar à divindade Triborunnis (junta-se a foto), o génio do local, a quem ele «pediu autorização» para se instalar. O altar é datável do século I da nossa era. Rufinus foi, pois, um personagem real, Rómulo e Remo são os fundadores lendários de Roma; dizer que Rufinus é descendente deles é o mesmo que afirmar que todos nós somos descendentes de… Afonso Henriques (muito embora este, ao contrário daqueles, tenha realmente existido)! Dizer que Rufino está «ligado à fundação do Império Romano» não é, pois, verosímil, pois se trata de mero colono particular, sem qualquer cargo, que, vindo mui provavelmente da Península Itálica, aqui assentou arraiais, por o sítio ser bom e abundante em água.
            2. Não há, em Outeiro de Polima, nenhum cemitério classificado como «monumento nacional»; há, sim, uma villa (isto é, casa de campo) tal como a de Freiria, ambas romanas e classificadas como imóveis de interesse público.
            3. Não há «alguns celeiros». A villa, residência que, em dado momento, foi, seguramente, de Titus Curiatius Rufinus, tem, de facto, um celeiro; não é único nem no Império Romano nem na Península Ibérica nem sequer no território português. Dizer que estes terrenos foram, durante 500 anos, o «celeiro de Roma» não é compreensível, por se tratar de uma zona minúscula, que poderia abastecer, sim, Olisipo, a Lisboa romana. Estava, além disso, demasiadamente afastada de Roma para ser o seu celeiro, quando o abundante trigo da Sicília bastava para alimentar os habitantes da Urbe.
            4. Esta zona não vai transformar-se ‘em alcatrão’. O Plano de Pormenor aprovado prevê, por exemplo, uma enorme zona verde, hortas comunitárias e cuidadoso ordenamento do território.
            5. Afirmar que foi aqui, na Conceição da Abóboda, que tudo começou, ou seja, que ali se está “no coração de Cascais” carece de alguma explicação complementar, na medida em que temos, por exemplo, em plena vila cascalense, uma gruta que foi necrópole em tempos pré-históricos, ou seja, muito antes de os Romanos se haverem instalado em Freiria. E há as grutas de Alapraia e a gruta de S. Pedro do Estoril, que datam de há cinco mil anos atrás.

Publicado em O Correio da Linha [Oeiras] nº 292, 25-07-2013. p. 3.

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