segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

«Eles ‘andem’ aí!» – uma crítica aos costumes e à governação

             Encheu-se o Teatro Gil Vicente, de Cascais, na noite de sábado, 23, para assistir à reposição da revista «Eles ‘andem’ aí!», levada à cena pelo Grupo Cénico da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cascais.
            A reposição constituiu também ensejo para – na presença dos presidentes da Câmara e da Junta de Freguesia – ser entregue ao Grupo, no intervalo entre os dois actos, o crachá de ouro da Liga dos Bombeiros Portugueses, como preito de homenagem no âmbito das comemorações do seu centenário.

A crítica oportuna
            Ainda que o cunho local seja dado, primordialmente, pelos cenários – figuras da sociedade ou da política cascalense não têm sido suficientemente ‘vistosas’ para inspirar quadros de revista… –, o mote inicial é um dos desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro de crítica à opressão nos primórdios republicanos. Os eles que, na altura, andavem aí eram bem diferentes dos de hoje, mas o medo que instilam na população e, sobretudo, os danos que lhe causam são, porventura, ainda maiores que cacetadas ou alguma cena de tiroteio… O quadro final, a evocar palácio de vampiros, é, nesse aspecto, deveras significativo e o guarda-roupa dos actores revela-se, na circunstância, bem explícito, a revelar os agentes económicos que, superiormente, quais sanguinários vampiros, nos sugam até ao tutano!...
            Crítica, pois, da governação e crítica de costumes, como não podia deixar de ser, com momentos sérios (como aquele em que se verberam os que arrastam os jovens para a droga) e, sobretudo, momentos de grande ironia, em que o trocadilho sugere, não explicita, e faz rir, na senda da sábia máxima «castigat ridendo mores»: é a rir que se castigam os costumes! E, nesse aspecto, como é natural, cenas ligadas à prostituição, à dita infidelidade conjugal, à homossexualidade detêm êxito garantido, servidas, de resto, por actores que, com à-vontade, se mexem no palco e sabem meter oportunas «buchas» quando os espectadores menos esperam.

Cascais
            Do que mais se prende com a vida cascalense, ressaltaria os momentos de fado, não porque revista sem fado não é revista, sabe-se bem, mas pelo que isso significa no ^âmbito da nossa tradição, que urge reabilitar (e há zunzuns de que se está seriamente a pensar nisso): Cascais foi sempre e, de modo especial, na década de 60, alfobre de fadistas, uma das terras do «fado fora de portas» depois de o Campo Grande, por exemplo, já ter deixado de o ser, porque englobado no crescimento urbano. Temos hoje uma nova geração de fadistas que vive em Cascais, que se ‘fazem’ e’em Cascais e as revistas do Grupo Cénico nunca deixaram morrer essa tradição.
            Eloquente ainda, nesse aspecto, embora possa referir-se ao País, a evocação do trabalho dos calceteiros: a calçada portuguesa que, em Cascais, se inspira nos motivos piscatórios. Bonito, o quadro; sugestivo, mais uma vez, o guarda-roupa – aliás, uma das grandes mais-valias, devida ao engenho do Quim Carvalho, responsável também, ao que suponho, pela quase totalidade das coreografias, se não de todas.

Uma sugestão
            E esta última frase leva-me a uma sugestão.
            Eu sei que há todo um trabalho de equipa e que ninguém se quer pôr em bicos de pés. Assim se há-de continuar a trabalhar. Contudo, quiçá não onerasse muito as despesas do espectáculo a elaboração de um programa, embora singelo, onde se discriminasse não apenas a sequência dos quadros, mas os actores, os autores dos textos e – porque não? – se transcrevessem também alguns dos textos cantados, porque assim se captaria melhor a malícia e a subtileza da crítica «ao estado a que isto chegou»! Creio que poderia ser também um bom veículo de publicidade a alguns mecenas.
            Trata-se, não o esqueçamos, e a determinado momento do espectáculo isso bem se sublinha, trata-se de uma manifestação cultural e tanto a Câmara como a Junta de Freguesia não desdenharão, decerto, em dar o seu apoio nesse sentido.
            O Grupo Cénico tem página no facebook: http://www.facebook.com/#!/gcenicoahbvc?fref=ts . Há que consultá-la não apenas para lá se colocar o «gosto!», mas também para se saber quando a peça vai à cena. Dessa página retirámos, com a devida vénia, as imagens que ilustram esta crónica, no caloroso voto de renovados êxitos para tão briosa equipa!

Publicado em Cyberjornal, 24-02-2013:

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