sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A newsletter ou a inconcebível submissão ao inimigo

           Não é a língua um veículo estático, como não é estática a população que a utiliza. A oralidade, por um lado, e o aparecimento de novos conceitos até aí não traduzidos em linguagem, por outro, obrigam à utilização de novas palavras (os neologismos) ou à alteração do modo de escrever certas palavras por melhor corresponder ao que se ouve ou se diz.
Sou visceralmente contra o novo acordo ortográfico, justamente naqueles aspectos em que, à força, por uma vontade política (desgarrada da realidade, como amiúde acontece), se impõe uma grafia que não respeita a etimologia nem uma alteração a nível da oralidade, tendo apenas como justificação uma pretensa uniformização – como se isso trouxesse algum benefício palpável!... «Aspecto», por exemplo, tem c por via da sua etimologia e assim existe em francês (aspect) ou em espanhol (aspecto) e só não existe em italiano, porque desde cedo a abertura da vogal anterior aí se obteve através da introdução da consoante dupla (aspetto), assim como acontece na língua portuguesa no caso de cç: correcção, redacção
Casos em que a evolução aconteceu devido à oralidade: uma terra chamada Torrezela acabou por ser hoje Atrozela; outra que era Abóbada acabou por começar a escrever-se Abóboda, porque assim o povo a estava a pronunciar.
Casos de novos conceitos que se aportuguesaram ou vão incorporar-se na linguagem do dia-a-dia, por estarem a ser muito usados: alunar, bué, e-mail, sms… Estes dois últimos em fase de absorção, porque é mais complexo escrever ‘correio electrónico’ (continuará a hesitar-se algum tempo entre grafar e-mail ou email) e, em relação ao segundo, ainda não há equivalente (nem nunca haverá, decerto) para short message system, e rapidamente se decidirá de vez se vamos optar pelo masculino ou – o que é mais provável – pelo feminino: «Vou enviar-te uma sms», porque o que predomina é a noção de ser uma «mensagem curta».
Não posso, porém, pactuar com esta mania que ora invadiu as nossas empresas, inclusive as entidades e departamentos do Estado Português, supostamente obrigadas a defender o património cultural imaterial que é a língua (Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial aprovada em Outubro de 2003), submetendo-se, sem tir-te nem guar-te, a uma absurda e inconcebível tirania da língua inglesa, universal inimiga figadal das identidades nacionais e regionais. Não concebo, por exemplo, a utilização da palavra newsletter, que hoje grassa, qual epidemia, pelo País. Newsletter, porquê? Não temos vocábulos de sobra que possam substituir este anglicanismo avassalador? «Boletim Informativo», «Notícias», «Noticiário», «Folha Informativa», «Informações», «Novidades», «Ecos», «Jornal»… Serão precisas mais? E se é noticiário de um museu, por exemplo, não bastaria pôr o nome do museu, seguido de um número e uma data, acrescidos, ou não, de palavras como semanário, quinzenário, boletim mensal, semestral…?
Se não somos nós a defender a nossa identidade cultural – uma vez que a outra já não temos… – que vai restar de um dos países mais antigos da Europa?
Façamos, pois, campanha contra os estrangeirismos escusados! Nada de «best of», «workshop», «brainstorming», «meeting», «call center», «call of papers» e anormalidades quejandas!... Gritemos como Henrique Lopes de Mendonça, em 1890: «Às armas! Às armas!».
                                                                                  
Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 609, 01-02-2013, p. 11.

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