sexta-feira, 3 de agosto de 2012

As nossas falas

           Cada vez mais me seduz o encanto das palavras próprias de um quotidiano a esvair-se por entre os dedos uniformizadores da comunicação urbana, desgarrada e, porventura, propositadamente alheada do viver aldeão, esse, sim, em contacto com a Natureza concreta. Sou, porém, dos que pensam que a morte anunciada – ou o assassinato cruel – do paradigma socioeconómico para que nos arrastaram vai determinar um regresso ao terrunho no que ele tem de mais salutar
            E com esse retorno reavivar-se-ão as nossas falas, a tratar as coisas pelo seu nome e não pelas generalidades citadinas.
            – «Estou já bichosa», dizia-me a anciã.
            Quem há aí que compreenda à primeira vista o significado profundo da frase, colhida no pomar da maçã, essa sim, bichosa às vezes?!...
            – Pronto, lá estás tu a empencer comigo!
O dicionário traz «empecer», relacionando-o com empecilho, estorvo; mas, entre nós, nestas plagas meridionais, acrescentamos um n, a nasalar, que soa melhor e acerta mais no sentido que lhe queremos incutir: «meter-se», «aborrecer», «não largar da mão»... Melga!...

Publicado no mensário VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 162-163 (Julho/Agosto 2012) p. 10.

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