quarta-feira, 16 de março de 2011

Edgardo Xavier

Esteve durante anos ligado à organização das exposições na galeria do Casino Estoril, nomeadamente quando a galeria fazia parte integrante da orgânica da empresa.
O seu natural pendor para as artes e o assíduo contacto com os artistas (comissariou as bienais de Óbidos, por exemplo) fizeram amadurecer em Edgardo Xavier (Huambo, 1946) um estilo muito próprio, em que os meus olhos (quiçá heréticos…) descobrem o desejo – conseguido – de manifestar o que de belo se poderá encontrar na inesperada chapada de cor prantada na rígida geometria de objectos mecânicos, frios, positivos, por onde um pêndulo amiúde se passeia, a marcar os tempos. [Ver http://visii.multiply.com/photos/album/1/Telas_de_Edgardo_Xavier].
Depois de se reformar, Edgardo Xavier optou por dar largas à sua veia poética: Amor Despenteado (2007); O Canto da Pedra (2009), lançado na Livraria Verney (Oeiras); e, agora, Corpo de Abrigo, apresentado em Lisboa, a 12 de Fevereiro.

Não têm rima os seus poemas; nem dimensão estipulada. É como surgem. Por todo este Corpo de Abrigo perpassa uma tónica permanente: o corpo amado, esse abrigo a que o poeta sempre recorre. Febre, arder, rubro, incendiar, silêncio, boca, pele… palavras integrantes desse refúgio, para onde, na pausada leitura, nós próprios queremos ir, no voluntário alheamento ao macabro horizonte aritmético em que nos obrigaram a viver…
«Procura-me / na terra mais fértil / ou na aridez do caminho» (p. 13); «Veste-me com o aroma da tua boca / e devassa-me / como se fosse terra tua» (p. 19); «Nos teus caminhos / sabem-me a mosto as manhãs» (p. 26); «Importa que se devassem / segredos / e se abatam as fronteiras» (p. 27); «e a língua acende a festa / no teu corpo» (p. 30); «Diz o meu nome / pelo lado doce das sílabas / mansamente» (p. 33); «sou a pedra em que te apoias»... (p. 43).
Um mundo, pois, inteiramente vivido num lirismo tão absorvente que as searas, o mar, a paisagem surgem transfiguradas por completo, no saboreio da entrega… «Amarras palavras / Ao peso dos silêncios»... (p. 57).
Há lugar, hoje, para uma poesia assim, para este caloroso explodir do sentimento amoroso? Mais do que nunca, diria eu; mais do que nunca! Libelo contra o desamor reinante, contra os martelados discursos quotidianos de que tudo isso está deliberadamente afastado – como no livro de George Orwell, 1984… É proibido amar!...
Gostaria que o impressor tivesse tido maior cuidado com as ilustrações, que resultaram empasteladas (a meu ver). Achei curiosa a hesitação do autor no que concerne à pontuação – a que mui raramente recorre. Eu, porém, não hesitei em dedicar-lhe esta nota, porque urge proclamar, mais uma vez e muitas mais: amar é preciso, make love not war! E voltarmos, com toda a força, a Maio de 68!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 258, 16-03-2011, p. 6.

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