domingo, 17 de outubro de 2010

Um testemunho sobre Aníbal Pinto de Castro

Hesitei em divulgar o meu depoimento sobre o Doutor Aníbal Pinto de Castro.
Primeiro, porque não serei, de forma nenhuma, o colega que melhor acompanhou a sua obra e o seu percurso académico e de cidadão empenhado; depois, porque logo uma rápida pesquisa pela Internet me deu conta de que – atendendo ao que já acontecera – uma nota, por mais despretensiosa que fosse, poderia suscitar comentários de desagrado, porque uma personalidade assim não cabe em meia dúzia de parágrafos, uma obra como os escritos do Doutor Aníbal Pinto de Castro não se pode confinar em escassas páginas, por mais eloquentes que o sejam.
Falou, porém, mais alto o meu dever cívico de colega e de companheiro de algumas das lutas travadas na Faculdade de Letras pela melhoria das condições da vida académica, ainda que nem sempre se lograsse almejar quanto se pretendia.
Do seu currículo e biografia (Cernache, 17-01-1938 / 8-10-2010) há referências múltiplas consultáveis na Internet, nomeadamente na página da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, de que foi director desde 1988 a 2004 – http://www.uc.pt/bguc/DocumentosDiversos/AnibalPindoCASTRO .
É salientado o seu labor docente e, sobretudo, a investigação que levou a cabo sobre Camões. Recorda-se que fundou o Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, em cuja página – http://www1.ci.uc.pt/ciec/menu.htm – aparece, de imediato, um livro seu, Páginas de um Honesto Estudo Camoniano, 2007. Não li o livro, nem sequer a sua introdução para saber da razão do título; intuo-a, pelo contacto que fui mantendo com o Doutor Aníbal Pinto de Castro, mesmo depois de se haver retirado – algo desgostoso, diga-se – da vida universitária. É que «honesto estudo» remete para o canto X d’Os Lusíadas (estrofe 154), em que Camões escreve:
«Nem me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado».
É, aliás, quase no final do poema. E (decerto outros o terão dito já antes de mim e com muito mais saber) logo o título traz a mensagem que porventura Aníbal Pinto de Castro quis deixar: sua vida se pautou por esse «honesto estudo» (e, hoje, esse adjectivo assume, como se sabe, um significado bem preciso e acutilante!...) e a experiência longamente se foi acumulando, de forma a relativizar muitas coisas, a abranger com olhos mais perspicazes vastos horizontes…
Creio ser sempre difícil quantificar uma obra, pese muito embora estejamos a viver o reinado dos números. Escreveu duas centenas de textos? Muito mais de duas centenas? Um dia, alguém, decerto, se dará ao trabalho de fazer essa contabilidade, sem esquecer, porém, que não é tanto a quantidade que conta, o número de páginas, mas a profundidade da análise e a originalidade da perspectiva, mesmo quando transmitida em quatro ou cinco páginas ou na imprensa local e regional.
Além de Camões, fonte inesgotável de inspiração pela sua ampla ligação ao Humanismo, seduziu-o Camilo Castelo Branco, de cuja Casa-Museu era, de resto, o director, fonte inesgotável de inspiração pela sua ampla ligação ao nosso mundo real, ao nosso Portugal profundo. Camões e Camilo a completarem mensagens.
Do seu trabalho como director da Biblioteca Geral fica-nos a ideia de longas horas aí passadas a procurar, abnegadamente, fazer o melhor para que os livros fossem lidos, as preciosidades salvaguardadas e os importantes espólios arrecadados a preceito. Do seu ministério como docente e orientador de pesquisas irão falando os antigos estudantes, os discípulos, os colegas.
Há, no entanto, uma outra vertente em que muito o vimos empenhado: a benemerência. Só quem está por dentro do mundo das Misericórdias sabe o que significa ser provedor; e Aníbal Pinto de Castro exerceu essa missão. Só quem nutre para com a sua cidade entranhado amor se disponibiliza para ser Presidente da Confraria da Rainha Santa Isabel.
Membro efectivo da Academia das Ciências de Lisboa e correspondente da Academia Portuguesa de História, recebeu – para além doutros galardões – o doutoramento honoris causa pela Universidade Católica Portuguesa, em 2007, por ocasião da celebração do 40º aniversário desta instituição. E, após a sua retirada da vida universitária, foi homenageado em Coimbra, a 26 de Novembro de 2005.
De um dos muitos comentários que podem ser consultados na Internet, permita-se-me que recorte o de Maria da Paz, sua antiga aluna, que escreve [http://theosfera.blogs.sapo.pt/386828.html]:
«Com este grande Senhor, foi-se uma parte da juventude dos alunos que foram seus, na velhinha Universidade de Coimbra! Fica-nos a recordação aureolada de saudade, da nossa alegria juvenil, da irreverência e da criatividade, geradoras dos mais descontraídos momentos de hilaridade a que nem os Professores eram poupados. Sem que o imenso respeito que lhes votávamos fosse beliscado! Sem que a admiração que nos mereciam saísse diminuída.
Em alguns contactos que estabeleci com antigas colegas, dando-lhes parte da infausta notícia, recordámos, apesar da mágoa do seu falecimento, alguns episódios hilariantes, passados com este distintíssimo Professor, e que nos fizeram sorrir.
Era Coimbra!
Era outro tempo!
Era outro Mundo!».
Sem dúvida: a Coimbra que fica na memória quando, acabados os cursos, passados os anos, a saudade se mantém e apetece voltar – nem que seja ao Penedo da Saudade para demorar os olhos naquelas lápidas, carcomidas, algumas, pelo musgo acumulado das décadas!... Aníbal Pinto de Castro era dessa Coimbra! Mas, como alguém me sugeriu também:
«O nosso Aníbal era Coimbra, mas era também a Universidade; não a de Coimbra; a Universidade, em sentido geral. Foi para ela que viveu. Sabe-se lá se foi por causa dela que partiu…».

[Divulgado a 15-10-2010, nas listas museum e histport.]

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