quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Bairro Operário






Apenas aos habitantes mais antigos da freguesia de Cascais identificarão este topónimo, que só existe na tradição popular, transmitida ao longo de décadas. Trata-se do Bairro José Luís, sito na faixa sudeste do Bairro da Pampilheira, inaugurado a 12 de Março de 1933, e assim chamado porque toda a área (2160 m x 100 m) hoje ocupada pela Pampilheira oriental, entre a Ribeira do Cobre e a (então) Estrada da Malveira foi doada, para esse efeito, ao Município cascalense pelo benemérito Conde de Monte Real, que desejou ficasse o nome de seu filho José Luís assim perpetuado.
Escrever hoje, aqui, sobre este bairro tem uma justificação: o primeiro núcleo de três moradias, dos únicos quatro que se conseguiram edificar, acaba de ser demolido na manhã do passado dia 6, porque estavam desocupadas e em degradação. Não se justificava a reabilitação nos mesmos moldes, porque (compreende-se) hoje a filosófica habitacional é diferente; e esta atitude camarária é previsão do que há anos se pensa: à medida que forem morrendo os moradores ou se, antes disso, se gizar para eles uma solução satisfatória que lhes acautele os legítimos direitos adquiridos, as moradias actuais darão lugar a outro empreendimento.
Salvaguardou-se a placa da inauguração, que ficará como memória do que foi um dos mais arrojados projectos urbanísticos da 1ª metade do século XX em Cascais, com vista a proporcionar uma vida saudável e culturalmente activa à população cascalense mais necessitada (os «operários», dizia-se então).
Já tive ocasião (vide o livro Recantos de Cascais, 2007, p. 21-24) de fazer, em traços muito largos, a sua descrição, com base nos documentos da época. Importará, porém, saber que se previra a construção de 238 (!) fogos, moradias unifamiliares dotadas das mais modernas infraestruturas para a época (água corrente, por exemplo), com jardim à frente e horta nas traseiras; uma escola, duas lavandarias, dois parques infantis, edifício de caldeiras, biblioteca e… cooperativa!
Num momento em que – menos de cem anos depois – as escavadoras num ápice reduzira a escombros as primeiras três casas, talvez não fosse despiciendo que o Município programasse uma sessão esclarecedora do passado e do presente, para, como sói dizer-se, termos, também aqui, «um futuro com raízes»!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 238, 12-10-2010, p. 6.

Ilustram o texto: uma panorâmica retirada do folheto que, à data da inauguração, foi elaborado e que mostra, ao fundo, o Alto da Pampilheira, com os depósitos de água em destaque; uma foto do 2º renque de casas, ainda habitadas; a foto distribuída pelo Gabinete de Imprensa da Câmara, a mostrar a demolição; e uma outra, ainda que de má qualidade, apenas para assinalar os últimos momentos em que a placa relativa à inauguração esteve no seu lugar.

2 comentários:

  1. Pode ser que me engane mas, em Portugal estamos muito atrazados, no que toca a edificacao de habitacoes e, daqui a algum tempo iram dar-se conta do erro!
    Isto de se construir em altura nao creio que seja a solucao social mais acertada, a essa conclusao ja chegaram por exemplo aqui onde resido, ha alguns decadas!
    Nunca pode dar bom resultado encaixotar-mos milhares de pessoas em blocos de betao,
    Seria muito melhor solucao, essa a de ha cem anos.
    Provavelmente os decisores desta altura, ja nao estaram no puder, quando devido a excessiva conscentracao de pessoas, comecar-mos a ter os mesmos problemas de crime, que outros paises ja tem presentemente!
    Mas como somos um "povo ordeiro e pacifico", se calhar nao terei razao, queira D*us que me engane!

    Um abraco de amizade dalgodrense.

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  2. Também estou de acordo consigo. As gentes do início do séc. XX tinham uma filosofia muito mais à escala humana, da pessoa. Acontece, porém, que, hoje, as pessoas não contam; ou melhor, contam como... números, para as estatísticas!

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