segunda-feira, 19 de abril de 2010

Arrieiros de S. Romão


Contava meu pai que, moço pequeno ainda, se escarranchava no macho, altas horas da madrugada, e abalavam para a praça de Olhão. Adormecia, claro, ao andar ritmado da montada, que sabia de cor o caminho: Vilarinhos, Corotelo, Bordeira, Estoi…
Lá regateava o que lhe parecia vir a ser de maior agrado para os fregueses e, decerto quase ao final da manhã, lá soprava na buzina, como que a dizer: «Já cheguei!».
Nunca tive oportunidade de saber pormenores dessa vida de arrieiro de meu pai, mas uma coisa era certa: quando a Carolina ou a Sara, já aqui em Cascais, nos anos 50, vinham, à hora de almoço, propor-lhe que lhes comprasse o resto das sardinhas ou dos carapaus, ele olhava e dizia-lhes: «Três quarteirões tens aí, não chega ao cento; dou-te tanto!». Habitualmente, tentavam contrariá-lo: que não, que era mais o peixe da canastra. «Então, conta!». E meu pai raramente se enganava.
Admirava-lhe essa perícia, assim como o jeito de tocar a buzina (sempre houve uma ou duas lá em casa), de alimar os carapaus, de descabeçar as sardinhas e de as pôr na salmoira, de amanhar tudo quanto era safio, raia, chicharro…
Foi, pois, com o maior agrado que li, na edição do passado mês de Março do nosso Noticias de S. Braz (pág. 19) a poesia obrigada a mote, da autoria de Manuel de Sousa Neves, intitulada «Era assim nos anos 30 e 40», onde um verso rezava assim:
«Os Encarnações vendiam peixe».
A confirmação escrita do que apenas meu pai contara e de que nunca mais ouvira falar. Fiquei curioso de saber mais.

Publicado no Noticias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 161, 20-04-2010, p. 7.

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